Em 17
de agosto de 1945 a obra a A Revolução dos Bichos ("Animal
Farm") era publicada na Inglaterra. Na fábula diatópica de George
Orwell, autor do também clássico 1984, um grupo de animais revolucionários toma
o poder dos donos humanos de uma fazenda e organiza um regime igualitário e
justo no local. O equilíbrio é ameaçado, porém, por uma dupla de porcos
totalitários. Não daremos mais spoolers, leiam!
O livro
é uma sátira ácida das práticas do ditador Joseph
Stálin e da própria história da União Soviética, feito por
um socialista democrático crítico ao que o regime instituído
pela Revolução Russa se tornara. E está, claro, repleto de lições
sobre o que foi o mundo no meio século 20. Essas são algumas delas.
1. Que
a tradução de um título pode ser um spoiler
Em
inglês, o título da fábula ácida de Orwell é mais simples: "Animal
Farm", que em tradução literal é algo como “fazenda dos animais”. Ou seja,
não diz nada sobre o fato de que os animais da fazenda em questão organizariam
uma revolução.
Em
Portugal, os tradutores também não foram menos cruéis que aquele amigo dos
comentários de uma matéria sobre Stranger
Things. Houve a versão “A Quinta dos Animais”, idêntica ao inglês –
“quinta” é fazenda em português de Portugal –, mas também houve o comprometedor
“O Triunfo dos Porcos”.
É
difícil discordar do apelo das versões lusófonas. Afinal, entre as incontáveis
opções de uma livraria, você escolheria uma menção discreta ao fato de que há
animais em uma fazenda ou uma promessa de guerra civil no chiqueiro? Pois é. O
título pouco revelador da edição original, porém, não impediu que ele se
tornasse um hit literário do pós-guerra, cujas vendas continuam aumentando até
hoje (Trump, alguém?).
2. Que
alianças diplomáticas e militares não se baseiam em ideais, mas em interesses
Orwell
foi combatente na Guerra Civil Espanhola, espécie de “ensaio” para a Segunda
Guerra Mundial que foi coberto também pelo então repórter Ernest
Hemingway. Lá, conheceu de perto o horror propagado pelo exército soviético
de Stálin – e percebeu que o sanguinário regime totalitário não tinha
nada a ver com o socialismo democrático em que acreditava.
Para
piorar a situação, a aliança formada entre Inglaterra e União Soviética para
combater a Hitler –
é difícil de acreditar que logo após o final da guerra a suposta “amizade”
diplomática se tornaria a Guerra Fria – gerou uma cartilha de
práticas midiáticas que tinham o intuito reabilitar a imagem da URSS no
imaginário britânico. A idéia era fazer a população acreditar que o “terror
vermelho” – que entre execuções em massa, trabalhos forçados e fome foi
responsável pela morte de algo entre três milhões e 60 milhões de soviéticos –
era uma invenção da propaganda nazista, justificando a aliança.
Orwell,
que na época trabalhava no grupo de mídia BBC, pediu demissão, e escreveu
o livro motivado a revelar, de maneira velada e alegórica, o real caráter do
regime stalinista.
3. Que
rock n’ roll e literatura são uma ótima combinação
Não
foram só leitores comuns que aprenderam muito com A Revolução dos Bichos.
No topo da lista de ídolos que fizeram música inspirada na obra de Orwell está
o Pink Floyd com o álbum Animals. Em 1987 o R.E.M. escreveu
a canção "Disturbance at the Heron House" com o escritor
britânico em mente, às vésperas do anúncio de que o conservador George H.
W. Bush – pai do Bush que era presidente na época dos ataques de 11 de
setembro – iria concorrer à presidência.
O grupo
punk The Clash usou uma imagem de uma animação inspirada no livro de
Orwell como capa do single "English Civil War", lançado em 1979, e em
uma menção mais discreta, o Radiohead cita a obra em um dos versos da
canção "Optimistic".
4. Que
na guerra a liberdade de expressão é muito relativa
Não
houve censura estatal instituída formalmente na Inglaterra durante a Segunda
Guerra. Mas o medo de discordar da posição governamental gerou um notável
processo de autocensura, completamente voluntário. Poucas editoras, durante o
conflito, teriam coragem de manchar a própria imagem junto ao Ministério da
Informação publicando obras que ameaçassem, mesmo que de forma velada, a visão
positiva da opinião pública sobre a aliança entre Estados Unidos, URSS e
Inglaterra.
Orwell
afirmaria posteriormente, em um artigo escrito na revista Partisan Review,
que “agora é impossível imprimir qualquer coisa que se oponha demais à Rússia.
Livros contrários à Rússia aparecem por aí, mas a maioria é de editoras
católicas e tem um ponto de vista religioso e reacionário.”
5. Que
força física sem consciência política não significa nada
Orwell
teve a idéia para sua fábula distopia após se dar conta de que o ser humano é
capaz de domar e comandar animais pelo fato de que eles, apesar de mais fortes,
não têm consciência de que estão sendo dominados, e que uma relação parecida se
estabelecia entre patrões e o proletariado.
Ou
seja, se serviu do próprio princípio da fábula, a inversão entre o papel humano
e o animal, como paralelo para a organização do trabalho na sociedade
capitalista, para então demonstrar que as relações de poder que se formariam
entre os próprios proletários após a revolução poderiam deturpar o ideal
socialista. Uma aula de história.
Fonte: Galileu
Olá, acredita que nunca li a revolução do bicho? Quero muito ler a revolução do bicho algum dia.
ResponderExcluirBeijos
https://deliriosdeumaliteraria.blogspot.com/?m=1
É uma leitura que vale muito a pena. Viu?
ExcluirLivro atualíssimo! Li há muitos anos e está na hora de reler. Abraço!
ResponderExcluirUma re-leitura é sempre válida.
ExcluirEu resgatei no programa Eu Faço Cultura uma edição lindinha de A Revolução dos Bichos e de 1984, tão qui esperando eu ter a cara de pau de pegar pra ler, finalmente!
ResponderExcluirUltimamente eu estou estudando as artistas plásticas Surrealistas e a Guerra Civil espanhola tem sido recorrente nesse estudo... Não sabia que o George Orwell tinha lutado nela, mas faz mais sentido ainda as criticas dele ao militarismo depois de saber disso...
Não espere ganhar uma segunda edição desse livro... KKK Mas, a leitura vale a pena.
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